Governos ignoram transporte público sobre trilhos

Entrevista publicada em 25/5/2012 com Paulo Pasin, secretário geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários) para o jornalista Guilherme Balza do portal UOL, em São Paulo.

O setor de transportes vive um momento inédito na história do país com greves e protestos simultâneos em varias capitais. Nesta semana, decidiram paralisar as operações os metroviários e ferroviários de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Maceió, João Pessoa e Natal. No Rio de Janeiro, os metroviários decidem nos próximos dias se cruzam os braços ou não.

As paralisações têm relação direta com questões salariais e trabalhistas, já que maio é o mês da data-base da categoria. Em São Paulo, o impasse foi com o governo do Estado, que administra o Metrô e os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Nas demais capitais, a briga dos trabalhadores é com a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), do governo federal, que, segundo a categoria, não quis conceder reajuste salarial neste ano.

Para o presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários), Paulo Pasin, a indignação dos metroviários e ferroviários é resultado da falta de reconhecimento dos governos.

“Cada vez trabalhamos mais, por conta do aumento de usuários, mas os governos não reconhecem”. Mas, a questão de fundo, diz o sindicalista, é a falta de investimentos públicos em metrô e trem e o descaso histórico com as duas modalidades de transporte.

“Cada vez mais fica evidente o papel estratégico do transporte público sobre trilhos nas grandes metrópoles, e os governos não deram conta disso”, afirma. Veja abaixo a entrevista com o sindicalista, que, além de presidente da Fenametro, é diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.


UOL – Várias greves estão ocorrendo no país neste momento, o que nunca havia acontecido antes. Por quê?

Paulo Pasin – A primeira razão das greves relacionadas ao governo federal foi o governo ter apresentado reajuste zero de salário. A outra razão é que cada vez mais fica evidente o papel estratégico do transporte publico sobre trilhos nas grandes metrópoles, e os governos não deram conta disso. Os trabalhadores sentem a necessidade de serem valorizados. Cada vez trabalhamos mais, por conta do aumento dos usuários, mas os governos não reconhecem. No plano nacional, há uma política de sucateamento da CBTU. Em nível nacional, o investimento na CBTU tem decrescido a cada ano.

 

UOL – Essas mobilizações têm alguma relação com o fato de estarmos num ano eleitoral?
Pasin –
Nenhuma. Em primeiro lugar, não é uma eleição para Presidente da República, e em quase todos os locais onde está havendo greve o metrô é administrado pelo governo federal. E em São Paulo pelo governo estadual. Em momento algum foi tratado da questão eleitoral nas nossas assembleias. Em São Paulo, não fizemos greve no ano passado porque o Metrô negociou. Fizemos cinco rodadas de negociação. Neste ano eles empurraram com a barriga, não quiseram negociar


UOL – A Justiça do Trabalho vem determinando que as categorias mantenham percentuais elevados de pessoal trabalhando durante as greves (80%, 85%). Nos horários de pico, exige a totalidade do efetivo. O que o senhor acha disso?
Pasin –
No Brasil, está se acabando com um dos direitos mais elementares da classe trabalhadora, que é o direito irrestrito de greve. Nós, que lutamos tanto contra a ditadura, estamos tendo um direito cerceado. Determinar 100% do pessoal no horário de pico e 80% nos outros horários é impedir a greve. Em São Paulo, fizemos a proposta de liberação das catracas, para não prejudicar a população, mas a Justiça do Trabalho também rejeitou a proposta.


UOL – Fale um pouco sobre essa proposta da Fenametro de se investir 2% do PIB em metrô e trem.
Pasin –
Hoje o que mais se discute no país é a questão da mobilidade urbana. A gente fez um estudo aprofundado, pegando desde o auge das ferrovias (na primeira metade do século 20), até os dias de hoje. Ao longo das décadas, cada vez mais foi mudando o modal de transporte para o individual, de carros. Acabaram com as ferrovias e investiram pouco em metrô. Não há como evitar o caos urbano. Não adianta ampliar viadutos, avenidas, marginais, se o transporte principal for o individual. É preciso que haja uma inversão: priorizar investimentos no transporte público e de grande capacidade. Esse cálculo de 2% do PIB leva em conta investimentos necessários para implantar ferrovias e ampliar o metrô. Vamos fazer uma ampla campanha nacional para exigir que o governo invista esse percentual


O que seria a tarifa social, proposta por vocês? Em quais países funciona assim?
Pasin –
Transporte público de massa precisa ser barato. Hoje, onde os metrôs e trens são administrados pelo Estado, a tarifa é R$ 1,60. Onde tem iniciativa privada no meio, é R$ 3, R$ 3,20, como no Rio de Janeiro, onde, inclusive, não há integração gratuita entre metrô e trem. Em várias cidades do mundo a tarifa é barata, mesmo na Europa e nos Estados Unidos. E nesses lugares o metrô é subsidiado. Em São Paulo o metrô era subsidiado, mas deixou de ser no governo de Mario Covas, e a passagem começou a subir. Agora, com a linha 4-amarela, que é privada, existe uma pressão para que os reajustes no valor da passagem sejam maiores ainda.

 

UOL – Como os últimos governos, em nível nacional e estadual, lidaram com a questão do transporte ferroviário e metroviário?
Pasin –
Na semana passada, o governo federal reduziu o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos automóveis populares para estimular a venda de carros, cedendo às pressões das montadoras. Existem outros mecanismos para estimular a economia. As montadoras há anos e anos batem recorde de produção. Reduzir o IPI significa menos arrecadação, menos dinheiro para o governo investir em educação e em transporte público. É claro que cada cidadão deve ter seu carro, mas tirar dinheiro do Estado para baixar impostos a esses setores é estimular o aumento de automóveis. Essa política é constante desde o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961). Hoje não temos nenhuma ferrovia de passageiros no país. Todo o transporte é feito por rodovia.


UOL – O senhor acha que os últimos governos de São Paulo poderiam ter tratado melhor a questão do transporte metroviário e ferroviário ou esses problemas todos, como as falhas constantes, a superlotação, entre outros, eram inevitáveis por conta desse déficit histórico de investimentos a que o senhor se referiu?
Pasin –
Em São Paulo há um atraso brutal de investimento do metrô. Basta comparar o que temos de metrô na capital paulista com outras capitais do mundo. Não preciso nem usar exemplos da Europa. É só comparar com a Cidade do México. Dos investimentos feitos pelos governos do PSDB, boa parte é propaganda. A ampliação e modernização não estão sendo feitas no ritmo que o governo aponta. E o que é feito é totalmente sem planejamento. Por exemplo: a modernização do sistema de controle das vias do metrô está absolutamente atrasada, justamente porque segue os interesses de grandes empresas privadas. Já era para estar concluída nas linhas 2-verde e 3-vermelha. A modernização e substituição da frota de trens não respeitaram os requisitos estabelecidos pelo próprio quadro técnico do metrô


UOL – Quais requisitos foram desrespeitados?
Pasin –
Um exemplo são os trens novos da linha 3, que não possuem portas nas cabines [do condutor], diferentemente dos trens antigos. Se ocorrer uma falha nas portas, o operador é obrigado a sair do trem por dentro, passando pelo meio dos passageiros. No horário de pico, com o trem lotado, esse processo demora muito. Pode parecer uma coisa aparentemente simples, mas que pode significar uma paralisação muito maior. Cinco, dez minutos de paralisação, no horário de pico, são suficientes para superlotar as plataformas, prejudicando a circulação em toda a linha. Isso quando algum passageiro desesperado não aciona o botão de proteção, o que provoca paralisações ainda maiores. Outro problema dos trens novos é o ar condicionado, que para de funcionar se houver qualquer interrupção de energia. Imagina o que é um vagão com 11 pessoas por metro quadrado, sem nenhuma janela para abrir, parado? As pessoas ficam desesperadas. Na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), houve aumento no número de trens para atender a demanda crescente de usuários, mas não houve uma readequação das subestações de energia. Por isso o aumento das falhas.