Ato reivindica reparação aos trabalhadores perseguidos por empresas que apoiaram a ditadura
O auditório do Arquivo Público Municipal ficou lotado na manhã de quinta-feira, (11 de junho), durante o ato organizado pelo Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação, com apoio da Comissão de Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo. O objetivo do encontro foi debater o trabalho das comissões já extintas, principalmente a Comissão Nacional da Verdade (CNV), e avaliar a perspectiva de implementação das recomendações constantes no relatório final da CNV.
O ato, que reuniu movimentos sociais, entidades, comitês, sindicatos, centrais sindicais e comissões de memória e verdade de todo o país, discutiu quais os caminhos possíveis a serem percorridos para a busca por justiça e reparação, responsabilizando empresas e empresários que colaboraram com a ditadura perseguindo trabalhadores, delatando, elaborando “listas sujas” e demitindo.
“É muito significativa esta presença de tantas pessoas que contribuíram para a democratização e lutaram contra a ditadura”, disse Eduardo Suplicy, secretário de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Suplicy destacou a importância de se enfatizar a perseguição sofrida pelos trabalhadores, inclusive para que os jovens saibam o que aconteceu e para que isto “nunca mais volte a acontecer em nossa história”.
Representando a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Ivan Seixas, ex-preso político, enfatizou que o ato, ao exigir reparação, é o desdobramento das recomendações da CNV. “Nossa tarefa aqui não é de homenagens. É de fazer cumprir as recomendações das comissões, especificamente sobre os crimes contra os trabalhadores e suas famílias.”.
Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da SDH/PR, ponderou que o judiciário brasileiro ainda trabalha com a política do esquecimento, não sendo “simpático” a medidas de reparação e justiça. “Ainda temos dificuldade em avançar na questão da justiça de transição”, disse ela. Apesar disto, Eugênia acredita que é possível trilhar caminhos jurídicos em direção a reparação por parte das empresas que colaboraram com a ditadura, inclusive a partir de exemplos internacionais. “A responsabilização de entes privados não é uma novidade no âmbito da reparação dos direitos humanos”, afirmou a procuradora, citando como exemplo empresas que colaboraram com o regime nazista na Alemanha.
Entre as empresas e entidades acusadas de colaborar com a ditadura estão: Ultra, Itaú, Souza Cruz, Volkswagen, Pirelli, Antarctica, O Globo, os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, GM, Brastemp, Esso, Votorantin, Scania, FIESP, SESI, Usiminas, Light, Cosipa, Brastemp, Duratex, Philips, Eternit, Metrô entre outras.
O Relatório da Comissão Nacional da Verdade é apenas uma etapa na luta por memoria , justiça e reparação
Em três anos de atividade da Comissão Nacional da Verdade foram centenas de audiências, visitas, depoimentos, num intenso processo de investigação que resultou num relatório repleto da história da luta de classes no Brasil que muitos ainda não conhecem, mas que a CNV contribuiu para tornar mais conhecida. Foram inúmeros os apontamentos feitos pela CNV, a começar pela lista de 434 mortos e desaparecidos políticos e mais de 300 responsáveis por torturas, embora ainda consideremos estas listas ainda inacabadas. Todos esses dados de realidade histórica, levantados ao longo dos anos de trabalho da CNV, foram entregues mediante o Relatório Final para a Presidente da República em 10 de dezembro de 2014.
Operários, indígenas, mulheres, negros, militares, religiosos foram muitos os que sofreram as graves violações. No caso dos trabalhadores, a CNV, por meio do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical – o “ GT 13”, contribuiu para que fosse levantado um conjunto de elementos que comprovam a participação direta e indireta de empresas no engendramento do regime ditatorial brasileiro. Participação esta que vai desde o financiamento do golpe, passando pelo uso de práticas de repressão entre os seus funcionários, que resultaram em sequelas físicas e psíquicas, até condenação ao desemprego ou ao subemprego dos trabalhadores militantes (devido às listas sujas por elas elaboradas), vigilância, infiltração, prisões dentro das fábricas, repasse de fichas funcionais de trabalhadores aos órgãos de repressão, entre outras modalidades de colaboração.
Por isso, defendemos a responsabilização dos civis colaboradores do golpe e da manutenção do regime militar. A responsabilização não se associa apenas à reparação e à justiça: a responsabilização, enquanto medida avaliada coletivamente, produz potencialmente memória. Identificar a responsabilidade e a necessidade de pagar por essa responsabilidade é agir frente a uma versão eleita da história, é agir “memoriadamente”. Compreendemos que a ditadura civil-militar não teria sido implementada por meio do golpe de 1964 e consolidada por décadas se não houvesse uma aliança estrutural de setores empresariais com militares.
Essa visão histórica, lamentavelmente, não perfila ou orienta (pelo menos não com a devida intensidade) as políticas públicas de verdade e memória, nem a maior parte das análises históricas hegemônicas, que costumam imputar apenas aos militares as graves violações do período. É como se a ditadura tivesse sido um projeto de despotismo político de uma casta, um “autoritarismo inventado” por um conjunto de conspiradores antidemocráticos.
É fundamental que as políticas de memória façam aparecer a responsabilidade dos quadros empresariais na repressão à classe trabalhadora e à sua organização, visando implementar um projeto econômico que viabilizasse um novo padrão de acumulação de capital no Brasil. É nesse sentido que as recomendações feitas pelo GT Trabalhadores da CNV se orientam. Entre as 43 recomendações, destacamos: “5. Investigar, denunciar e punir empresários, bem como empresas privadas e estatais, que participaram material, financeira e ideologicamente para a estruturação e consolidação do golpe e do regime militar” e “6. Instituir um fundo, mantido por meio de multas e punições pecuniárias provenientes de empresas públicas e privadas que patrocinaram o golpe e a ditadura subsequente, para a reparação dos danos causados aos trabalhadores, organizações sindicais e ao patrimônio público”.
Tanto o Metrô de São Paulo como o do Rio de Janeiro colaboraram com a ditadura militar
Alexandre Leme , em nome da Comissão da Verdade do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, denunciou : “ O Metrô – Companhia do Metropolitano de São Paulo, em conjunto com os órgãos de repressão do Estado,monitorava os trabalhadores da empresa. Por ter sido aclamado e inaugurado como grande obra durante o regime militar, as forças repressivas sempre dificultaram a organização da associação de funcionários e do sindicato. O monitoramento e a prisão de dirigentes sindicais e trabalhadores são fatos acobertados pela história oficial que precisam ser conhecidos. E que a impunidade estimula a empresa utilizar estes métodos autoritários nos dias de hoje”.
Geraldo Cândido, metroviário e membro da Comissão de Anistia do Rio de Janeiro, destacou : “ Toda esta perseguição aos metroviários de São Paulo e do Rio demonstra nosso papel na luta pelas liberdades democráticas e em defesa do direitos da nossa classe”.
A FENAMETRO apoia o manifesto que reivindica o cumprimento das recomendações do relatório da CNV, a começar pela instalação de um órgão permanente e controlado publicamente, voltado à Verdade, a Justiça e Reparação, no âmbito do Estado brasileiro, a fim de que todo o legado deixado pelas comissões, comitês, entidades e outras forças sociais não seja apenas continuado, mas que se aprofunde nos seus objetivos e no seu alcance para se firmar entre as lutas democráticas fundamentais do nosso tempo.
Fonte: Secretária de Direitos Humanos de São Paulo e Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação