Crise no metrô: o que não foi dito

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Desde que começou a operar, em 2011, a linha 4-amarela do metrô de São Paulo tem sido avaliada por muitos como um exemplo de sucesso de parceria público-privada (PPP). O que temos lido na imprensa nas últimas semanas, porém, é motivo para colocar uma pulga atrás da orelha: obras paradas, estações atrasadas, ameaças de rescisão contratual, consórcio culpando o governo, governo culpando o consórcio…
Se o contrato com o consórcio Isolux Córsan-Corviam for mesmo rescindido e outra licitação tiver que ser realizada, as obras das estações Higienópolis-Mackenzie, Oscar Freire, São Paulo-Morumbi e Vila Sônia provavelmente só serão reiniciadas em 2016.

Afinal, qual o problema dessa PPP? Por que um projeto cujas obras foram iniciadas em 2004, com prazo inicial de entrega em 2009, talvez venha a ser concluído somente em 2018?

A linha amarela é a primeira experiência de PPP no metrô de São Paulo. Os defensores das parcerias argumentam que elas constituem uma resposta à ineficiência do poder público.

Desde que começaram a ser inauguradas, porém, as estações da linha 4 chamam a atenção pela péssima qualidade de seus projetos –o ápice é o corredor de baldeação entre as linhas amarela e verde, na estação Paulista/Consolação, que mais parece um corredor de abate de gado– se compararmos, por exemplo, com estações das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha que são simples e funcionais, com espaços generosos para os usuários.

Aliás, justamente a obra da estação Paulista está sob a mira do Ministério Público, que questiona o consórcio ViaQuatro –o mesmo que ganhou a licitação da parceria público-privada para operar a linha– sobre alterações no projeto básico contratado pelo Metrô.

É importante lembrar que a licitação dessa PPP separou a construção da infraestrutura e a operação da linha. O consórcio ViaQuatro ganhou tanto a operação como parte das obras de infraestrutura.

Além da questionável qualidade dos projetos e do transtorno causado pelo atraso nas obras e pela provável necessidade de uma nova licitação, caso o contrato com o consórcio Isolux Corsán-Corviam seja mesmo rescindido, há uma questão importantíssima que não vi ninguém ainda mencionar.

No contrato de concessão de operação da linha está prevista uma remuneração adicional para o consórcio ViaQuatro (já que a tarifa não cobre a totalidade dos custos da operação), projetada no tempo de acordo com o cronograma de inauguração das estações e, consequentemente, da chegada dos novos passageiros que estas agregam ao sistema.

Só que… se a entrega das novas estações atrasa, o governo é obrigado a cobrir o valor previsto no contrato para aquele ano, ou seja, tem que pagar para os concessionários o que os usuários destas novas estações pagariam –se elas existissem!

Para o concessionário privado, o risco é zero: sem as novas estações, ganham do mesmo jeito.

Já para o Estado, ou seja, para os cidadãos, o prejuízo é duplo: além de não termos as estações em funcionamento, melhorando nossa condição de mobilidade, ainda temos que pagar por passageiros inexistentes para garantir o lucro do operador privado.

Quem se beneficia deste modelo, afinal?

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Publicado em 23/2/2015 no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo